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E perdoa-nos as nossas dívidas (Mateus 6.12)

καὶ ἄφες ἡμῖν τὰ ὀφειλήματα ἡμῶν

O meu amigo Pr. Marcelo Waldez sempre fazia questão de enfatizar que esse texto não diz “perdoa a nossas dívidas”, mas sim “perdoa-NOS as nossas dívidas”. De fato, parece que até mesmo na hora de fazer essa oração queremos nos afastar do fato de que nós precisamos de perdão. Qual é a relevância desse quinto pedido da oração do Pai Nosso?

É interessante que Jesus coloca o pedido pelo suprimento das necessidades físicas antes do pedido pelo perdão. Assim, logo depois de orar pelo pão diário, o alimento para o corpo, Jesus nos ensina o orar por uma das maiores necessidades da alma: o perdão. A culpa é um sentimento universal. Nós a escondemos, mascaramos, sufocamos com arroubos de autojustiça, mas no fundo todos sabemos que estamos em débito.

O verbo perdoar no grego, afes (ἄφες), carrega as ideias de soltar, perdoar, mandar embora, remir, tirar alguém de debaixo de uma obrigação, cancelar. Essas três últimas ideias são muito importantes aqui, pois o objeto do verbo (perdoar o que?) é “as nossas dívidas” (ofeilemata, ὀφειλήματα). Jesus está utilizando uma palavra do vocabulário econômico (débito, dívidas) e aplicando ao nosso relacionamento com Deus.

Cada vez que infringimos ou transgredimos a lei de Deus, ficamos devendo a Deus. O Senhor Deus é alguém totalmente santo e eterno. Ele nos fez para sermos santos como ele (1 Pedro 1.16). Paulo fala sobre o fato de que temos uma conta não paga com Deus, um escrito de dívida. O pedido dessa oração é para que Deus rasgue as notas promissórias de nosso egoísmo, a fatura que mostra as obrigações não cumpridas, os boletos de nossas más escolhas, o extrato da conta que está no vermelho por termos escolhido fazer o mal. Em termos humanos, a nossa conta é impagável, inegociável, somos devedores e inadimplentes. As nossas dívidas são tantas que a única solução seria a prisão eterna. Mas a obra de Cristo possibilita que ele mesmo pague a nossa conta: “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Colossenses 2.14).

“Perdoa-nos as nossas dívidas” é um pedido de alguém que entendeu a profundidade de seu débito espiritual e que sabe que não tem condições de pagar e, por isso, clama pela misericórdia de Credor eterno. Todos se encontram nessa mesma situação:

 

Romanos 3.23 pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,
João 8.34 Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado.
Romanos 7. 17 Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim.
1João 1. 10 Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.

 

Todos são chamados na Bíblia a reconhecer que se encontram em tal situação tão drástica. “Nunca houve um santo sobre a face da terra que não tenha visto a si mesmo como um vil pecador; de modo que se você não sente que é um vil pecador, não é parecido com os santos”[1]

 

Lucas 5.8 Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador.
1Tm 1.15 Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.

 

Como não fomos criados originalmente para carregar essa dívida, mas para a santidade, todos sofremos consequências, tanto espirituais quando psicossomáticas:


Gênesis 2:17 mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.
Isaías 59:2 Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça.
Salmo 32.3-4 Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio.
Salmo 38. 1-8 Não me repreendas, SENHOR, na tua ira, nem me castigues no teu furor. Cravam-se em mim as tuas setas, e a tua mão recai sobre mim. Não há parte sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado. Pois já se elevam acima de minha cabeça as minhas iniqüidades; como fardos pesados, excedem as minhas forças. Tornam-se infectas e purulentas as minhas chagas, por causa da minha loucura. Sinto-me encurvado e sobremodo abatido, ando de luto o dia todo. Ardem-me os lombos, e não há parte sã na minha carne. Estou aflito e mui quebrantado; dou gemidos por efeito do desassossego do meu coração.
Salmo 51.8, 11-12 Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste. Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito voluntário.

 

A bênção, no entanto, é que podemos nos livrar das consequências trágicas de carregar uma dívida impagável. À distância de uma oração arrependida e cheia de fé, Deus tira a nossa culpa e nos dá liberdade. Não há alegria maior do que receber o perdão de Deus. Não há sensação mais preciosa do que aquela de saber que as suas contas estão pagas e agora você é bem-vindo na presença de Deus. Não há alívio melhor do que não ter que se esconder nem usar disfarces, mas poder assumir os pecados cometidos, sabendo que, por meio de Jesus Cristo, “onde aumentou o pecado, transbordou a graça” (Romanos 5.20).

Deus te convida para esse tipo de liberdade: a de ser um pecador perdoado por causa do sacrifício de Jesus e que pode agora usufruir comunhão com Deus e aguardar ansioso pela vida eterna.

 

 

 

 

[1] DM Lloyd Jones in Hermisten M. P. Costa, O Pai Nosso, p. 49.

Criado por
João Paulo Thomaz de Aquino
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