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Paixão: A Transformação de Emaús (Lucas 24.13-35)

The Road To Emmaus, Daniel Bonnell
The Road To Emmaus, Daniel Bonnell

Estava tudo errado! Em uma semana o Messias que foi recebido como o novo libertador de Israel agora estava morto há três dias, tendo sido tratado como o traidor mais vil e desonrado. Estava tudo errado, pois aqueles que estavam caminhando para Emaús estavam indo para o lugar errado (fora de Jerusalém), tinham o sentimento errado (tristeza), esperavam pela coisa errada (redenção de Israel) e faziam a coisa errada ao discutirem de forma cética, desprezando, inclusive o testemunho das mulheres que disseram que ele vivia. Muitos outros discípulos ainda estavam reunidos, mas esses dois não queriam mais ouvir, não queriam acreditar, não aguentavam mais ter as suas esperanças frustradas. Ao mesmo tempo não conseguiam pensar e falar de outra coisa. Assim, quando o viajante misterioso aparece ao lado deles, eles ficam estupefatos de que ele não saiba o que tinha acontecido em Jerusalém e sem muita educação se dispõe a lhe contar os últimos eventos. Que ironia!

 

Assim como os discípulos, nós vivemos depois da ressurreição de Jesus, mas muitas vezes nos comportamos como se Jesus não tivesse ressuscitado. Vamos vivendo nossas vidas e discutindo teologia sem deixar que a esperança da Cristo ressurreto de fato faça arder o nosso coração e viver vidas frutíferas e de testemunho ardente. Sem Cristo, não sabemos nem mesmo como ler as Escrituras de forma que façam sentido prático para nós.

 

O principal problema daqueles viajantes era a falta de fé. Os olhos deles estavam impedidos de ver que o viajante misterioso era o próprio Jesus Cristo. Eles não criam nas diversas palavras que Jesus disse durante seu ministério de que era necessário que ele morresse, mas que ressuscitaria no terceiro dia (Lucas 9.22-23; 9.44; 11.29; 17.22, 25; 18.31-33; 22.22 ). Eles não creram no testemunho das mulheres que disseram ter visto um anjo afirmando que Jesus ressuscitou. Mesmo depois desse testemunho eles ainda assim estavam saindo de Jerusalém! A falta de fé os tornara cegos. Jesus vencera a morte e estava caminhando com eles, mas eles não criam que isso era possível e por isso estavam tristes e em crise.

 

Jesus, como sempre, tinha a solução para aqueles corações feridos e olhos cegos. Eles precisavam de companhia e ele se fez presente. Eles precisavam desabafar e ele os ouviu. Eles precisavam conhecer as Escrituras, e ele lhas explicou. Eles precisavam entender que Deus trabalha na história, e ele lhes mostrou. Eles precisavam aceitar a soberania de Deus, ele lhes disse que era “necessário” que as coisas acontecessem daquela forma. Eles precisavam convidar Jesus para ficar e ele fez como se fosse embora. Distante de todos os demais discípulos, eles precisavam de comunhão, o hóspede Jesus se tornou o acolhedor. Eles estavam cegos, ele lhes abriu os olhos. Eles estavam com o coração gélido, ele fez queimar novamente o coração deles com a Palavra. Eles estavam empedernidos, ele quebrou o pão e lhes lembrou dos seus milagres de multiplicação do pão e da celebração da páscoa! Eles estavam incrédulos, foram transformados em testemunhas que correm no meio da noite para anunciar: Era tudo verdade! O Senhor está vivo! Ele apareceu para nós! Nós o conhecemos por experiência própria!

 

Supper at Emmaus by Bernardo Strozzi (1581-1644)
Supper at Emmaus by Bernardo Strozzi (1581-1644)

 

Tradução Literal

 

13 E eis que dois dentre eles naquele mesmo dia estavam indo para uma vila sessenta estádios (11,5 km) distante de Jerusalém, cujo nome era Emaús. 14 E eles conversavam (ὡμίλουν, de homilética) um com o outro a respeito de todas essas coisas que aconteceram (Perf, destaque). 15 E aconteceu ao conversarem (ὁμιλεῖν) eles e discutirem (συζητεῖν) e o próprio Jesus, aproximando-se, passou a caminhar com eles, 16 mas os olhos deles foram impedidos de reconhecê-lo. 17 E disse-lhes: “Que coisas são essas que vocês estão discutindo enquanto caminham? E pararam chateados. 18 E respondendo um deles, cujo nome era Cleopas, disse a ele: “Somente tu vives perto de Jerusalém e não sabes o que lá aconteceu lá nestes dias?”19 E disse-lhes: “Quais?” E eles lhe disseram: “A respeito de Jesus de Nazaré, o qual se tornou varão profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo, 20 e como os nossos sumo-sacerdotes e governantes para ser condenado à morte e o crucificaram. 21 E nós tínhamos esperança de que ele era aquele que estava para redimir Israel, mas, além de tudo isso, este já é de fato o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram. 22 Além disso, algumas mulheres dentre nós nos maravilharam, tendo ido de madrugada ao túmulo, 23 e, não encontrando o corpo dele, voltaram dizendo terem visto uma visão de anjos os quais disseram que ele está vivo.  24 E indo alguns dentre nós ao túmulo também encontraram tudo conforme as mulheres disseram, mas a ele não viram.” 25 E ele lhes disse: “Ó tolos e lentos de coração para crer em tudo aquilo que falaram os profetas. 26 Não era necessário sofrer e Cristo e entrar na glória dele? 27 E começando por Moisés e por todos os profetas explicou (διερμήνευσεν) a eles em todas as Escrituras a respeito dele.

 

28 E aproximando-se da vila para onde estavam indo, ele agiu como se (προσεποιήσατο) fosse andar para mais longe. 29 E eles insistiram muitíssimo com ele dizendo: “Fica conosco, pois já é quase de noite e se declina o dia. E entrou para ficar com eles. 30 E aconteceu que ao reclinar-se com eles recebeu o pão, abençoou-o e o quebrou para dar a eles, 31 então deles foram abertos os olhos e o reconheceram. E ele invisível se tornou diante deles. 32 E levantando-se (mesma palavra para ressuscitar) naquela mesma hora, voltaram para Jerusalém e encontraram reunidos os onze e outros com eles, 34 dizendo que realmente o Senhor foi ressuscitado e apareceu para Simão. 35 E eles explicaram (ἐξηγοῦντο) as coisas que aconteceram no caminho e como foi reconhecido por eles no quebrar do pão.

lucas 24

 

Aspectos Exegéticos

 

  • Emaús significa “águas quentes”. Ninguém sabe ao certo onde é essa vila.
  • Apenas o nome de um dos viajantes aparece no relato, Cleopas. Provavelmente porque ele era a testemunha ocular que ainda estava viva na época em que o texto foi escrito.
  • Além de conversarem, o texto diz que aqueles dois estavam discutindo. Talvez um tivesse assumido uma postura mais cética e o outro queria crer no testemunho das mulheres.
  • Um dos assuntos do texto diz respeito a capacidade de enxergar as verdades espirituais. O texto mostra que tanto os olhos deles foram impedidos de reconhecer Jesus, quando depois foram abertos para que o reconhecessem. Foi a ação soberana de Deus que os habilitou a crer. Enquanto isso a mulheres viram uma visão. Depois de o reconhecerem, ele desapareceu. Ainda assim, agora eles enxergavam.
  • Tudo o que eles criam a respeito de Jesus estava correto, mas era incompleto. Jesus não era somente um grande profeta semelhante a Moisés, poderoso em obras e palavras que libertaria a nação de Israel (veja os discípulos em Atos 1.7). O projeto de salvação era muito mais amplo, envolvendo o mundo inteiro, e Jesus é muito mais do que um profeta semelhante a Moisés e morto, ele é O Messias ressurreto, Deus encarnado.
  • O texto contém diversas notas de ironia. Jesus está com eles e eles estão contando para ele sobre a morte dele e o fato de que as esperanças deles estavam acabadas. Eles contam até mesmo sobre o testemunho das mulheres, mas ainda assim se mostram incrédulos.
  • Esse texto contém três palavras gregas que todo teólogo tem que conhecer bem:
    • ὁμιλέω, de onde vem a palavra homilética. Em nossa texto aponta para o fato de que os discípulos conversavam pelo caminho.
    • διερμηνεύω, relacionada a palavra hermenêutica. Essa palavra mostra como Jesus explicou, interpretou todas as Escrituras tendo ele mesmo como o seu centro, razão de ser e objetivo. A interpretação bíblica de Jesus é cristocêntrica e a nossa também tem que ser.
    • ἐξηγέομαι, de onde vem a nossa palavra exegese. Essa palavra é usada em nosso texto para dizer que os discípulos explicaram aos demais o que havia acontecido no caminho. Eles explicaram mostrando não somente os fatos, mas o significado deles.
  • O versículo 28 tem essa expressão interessante que mostra que Jesus fez como se passaria adiante. Como Senhor da situação, ele queria que eles tomassem a iniciativa de o convidar insistentemente para ficar. O texto vai de movimento para longe, intervenção de Jesus, tempo com Jesus (palavra, diálogo, ceia) e movimento em direção às pessoas para testemunhar.
  • Assim como Jesus foi ressuscitado, eles também foram.
  • O primeiro problema central deles segundo Jesus era tolice. Essa palavra aponta para a falta de sabedoria bíblica, ou seja, incapacidade de aplicar a palavra para uma situação prática. O segundo problema central deles segundo Jesus era lerdeza de coração para crer nas Escrituras.
  • Jesus estava pessoalmente com eles. Ele poderia ter feito um milagre, falado uma profecia nova, poderia ter aberto os olhos deles imediatamente, poderia ter dado um tapa neles e dito: acordem, sou eu… Jesus não fez nada disso, mas foi para as Escrituras! O Jesus ressurreto os levou às Escrituras e os remeteu à Santa Ceia! Esses meios de graça devem continuar sendo a nossa prioridade como igreja.
Criado por
João Paulo Thomaz de Aquino
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