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Paixão: Uvas e Pedra (Lucas 20.9-19)

E começou a falar esta parábola ao povo: “Um homem plantou um vinhedo e o alugou para uns agricultores e foi viajar por um longo tempo (χρόνους). E no tempo (καιρῷ) determinado enviou aos agricultores um escravo, a fim de que dessem o fruto do vinhedo para ele. Os agricultores o mandaram embora de mãos vazias e bateram nele. E decidiu enviar outro escravo. E neste bateram, humilharam muito e mandaram embora de mãos vazias. E decidiu um terceiro enviar. A este, ferindo gravemente (τραυματίσαντες), expulsaram. E disse o Senhor do vinhedo: ‘O que farei? Enviarei o meu filho amado. Talvez a este respeitarão’. Mas vendo os agricultores, ponderaram uns com os outros dizendo: ‘Este é o herdeiro. Vamos assassiná-lo, a fim de que a herança venha a ser nossa’. E expulsando-o para fora do vinhedo o assassinaram. O que, portanto, fará a eles o Senhor do vinhedo? Ele virá e destruirá esses agricultores e dará o vinhedo a outros”.  Ouvindo-o, porém, disseram: “De jeito nenhum!” (Μὴ γένοιτο). Mas encarando-os, disse-lhes: “O que, então, é isso que está escrito: ‘A pedra que rejeitaram os construtores, esta se tornou a principal de esquina’? Todo aquele que cai naquela pedra será despedaçado, aquele sobre quem ela cai será triturado. E os escribas e sacerdotes procuraram por sobre ele as mãos naquela mesma hora e temeram o povo, pois sabiam que por causa deles ele contara essa parábola. (Minha tradução).

 

Quando interpretamos uma parábola, uma das primeiras coisas que deventos fazer é procurar o elemento de absurdo da mesma. Essa parábola tem alguns absurdos. Mesmo depois de maltratarem dois escravos, o Senhor do vinhedo ainda mandou um terceiro? E, pior, mesmo depois de espancarem a este, ele enviou o próprio filho?? Quem faria isso?

Toda a força subversiva da parábola, no entanto, só é entendida conseguindo “ouvir” as diversas referências que a mesma faz ao Antigo Testamento. Ao ouvir sobre um vinhedo (vinha), os judeus da época de Jesus, especialmente os líderes da nação que conheciam bem o Antigo Testamento, se lembrariam do rei Acabe, cuja esposa mandou matar o dono de uma vinha para dar a mesma ao seu marido (1 Reis 21). Eles se lembrariam também de que videira era é metáfora para a esposa (Sl 128.3 e Cantares). Ainda mais importante, eles se lembrariam de que o próprio povo de Deus (Israel) foi algumas vezes chamado de vinha (ou videira) na Bíblia. O Salmo 80 conta a história de Israel a partir dessa metáfora de uma vinha que foi trazida do Egito e plantada e que agora estava sofrendo e precisava ser restaurada (Salmo 80.8-19). Isaías 5 desenvolve a mesma imagem, enfatizando o quando a vinha do Senhor se perdeu do seu dono. Diversos outros textos em Isaías e Jeremias usam a figura da videira/vinha da mesma forma. Em suma, o vinhedo era um símbolo conhecido para falar sobre o povo de Deus.

Note que o Senhor do vinhedo plantou o mesmo e apenas o alugou (arrendou) para alguns agricultores. Essa era uma situação muito comum da época. Uma pessoa com dinheiro comprava um pedaço grande de terra, colocava-o para produzir e contratava agricultores que alugariam aquela terra produtiva e de tempos em tempos enviariam dinheiro e parte da produção. Esse Senhor ficaria distante por muito tempo, mas marcou um tempo determinado para voltar. Estava tudo combinado.

A parábola mostra uma progressão rápida dos fatos. O Senhor do vinhedo enviou três escravos. Os agricultores trataram os escravos de forma cada vez mais desonrosa e violenta: o primeiro apanhou, o segundo apanhou e foi duramente desonrado e o terceiro foi espancado de forma a ficar com sequelas físicas permanentes.

Então vem o principal absurdo da parábola: o Senhor do vinhedo decide enviar o seu próprio filho, pois, talvez o mesmo seja respeitado! Você certamente não faria isso. Eu certamente não o faria, mas Deus fez isso. Ele enviou o seu Filho para pessoas que já tinham dado provas claras de que não mereciam. Ele enviou o seu próprio Filho para morrer. O filho da parábola foi expulso e assassinado, assim como aconteceria com Jesus, que morreria fora da cidade.

Como resultado, Jesus disse que o próprio Senhor e dono da vinha viria e destruiria os agricultores, dando a vinha para pessoas mais honradas do que eles. Esse texto prevê claramente que o status de povo de Deus seria tirado das mãos dos judeus e seria dado a outras pessoas. Aqueles que ouviam Jesus entenderem exatamente o que ele estava dizendo e por isso responderam com uma das negativas mais enfáticas da língua grega: Μὴ γένοιτο (de jeito nenhum!)

Como resposta, Jesus explica que até mesmo isto estava previsto nos escritos do Antigo Testamento. Jesus cita o Salmo 118.22: “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular”. Esse texto é citado em vários lugares no Novo Testamento (Mt 21:42; Mc 12:10–11; Lc 20:17; At 4:11; 1 Pe 2:7) e mostra que tanto Jesus quanto a igreja (depois da ressurreição) entendiam perfeitamente que o Messias seria rejeitado e morto, antes de assumir sua posição como Rei e Senhor. A maneira que Jesus desenvolve a imagem da pedra também aponta para o sonho de Nabucodonosor (Daniel 2) que viu os reinos do mundo (uma estátua feita de materiais diferentes) seriam destruídos e conquistados pela pedra cortada sem o auxílio de mãos humanas. Jesus é a pedra fundamental da construção do reino de Deus, aqueles que não o aceitarem como tal, serão massacrados por ele mesmo. Qual foi a resposta dos maiorais da nação? Eles ficaram furiosos e tentaram prender o Salvador.

Nós, a igreja, somos o vinhedo do Senhor. Nós gentios do mundo inteiro e judeus convertidos temos o privilégio de ser o povo cuidado pelo Senhor. Ao mesmo tempo, somos agricultores chamados para cuidar do vinhedo todo. Somo uvas e somos agricultores. O Senhor enviará novamente o seu Filho para acertar as contas conosco. Alguns serão amassados como uva por uma pedra. Outros ouvirão “Muito bem, servo bom; porque foste fiel no pouco, terás autoridade sobre dez cidades” (Lucas 19.17).

 

Parábolas dos trabalhadores no vinhedo, Codex Aureus Epternacensis, fol. 76f Século 11
Criado por
João Paulo Thomaz de Aquino
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1 comentário
  • Caro Prof. João Paulo. Excelente devocional. Falou muito a mim.

Criado por João Paulo Thomaz de Aquino