E começou a falar esta parábola ao povo: “Um homem plantou um vinhedo e o alugou para uns agricultores e foi viajar por um longo tempo (χρόνους). E no tempo (καιρῷ) determinado enviou aos agricultores um escravo, a fim de que dessem o fruto do vinhedo para ele. Os agricultores o mandaram embora de mãos vazias e bateram nele. E decidiu enviar outro escravo. E neste bateram, humilharam muito e mandaram embora de mãos vazias. E decidiu um terceiro enviar. A este, ferindo gravemente (τραυματίσαντες), expulsaram. E disse o Senhor do vinhedo: ‘O que farei? Enviarei o meu filho amado. Talvez a este respeitarão’. Mas vendo os agricultores, ponderaram uns com os outros dizendo: ‘Este é o herdeiro. Vamos assassiná-lo, a fim de que a herança venha a ser nossa’. E expulsando-o para fora do vinhedo o assassinaram. O que, portanto, fará a eles o Senhor do vinhedo? Ele virá e destruirá esses agricultores e dará o vinhedo a outros”. Ouvindo-o, porém, disseram: “De jeito nenhum!” (Μὴ γένοιτο). Mas encarando-os, disse-lhes: “O que, então, é isso que está escrito: ‘A pedra que rejeitaram os construtores, esta se tornou a principal de esquina’? Todo aquele que cai naquela pedra será despedaçado, aquele sobre quem ela cai será triturado. E os escribas e sacerdotes procuraram por sobre ele as mãos naquela mesma hora e temeram o povo, pois sabiam que por causa deles ele contara essa parábola. (Minha tradução).
Quando interpretamos uma parábola, uma das primeiras coisas que deventos fazer é procurar o elemento de absurdo da mesma. Essa parábola tem alguns absurdos. Mesmo depois de maltratarem dois escravos, o Senhor do vinhedo ainda mandou um terceiro? E, pior, mesmo depois de espancarem a este, ele enviou o próprio filho?? Quem faria isso?
Toda a força subversiva da parábola, no entanto, só é entendida conseguindo “ouvir” as diversas referências que a mesma faz ao Antigo Testamento. Ao ouvir sobre um vinhedo (vinha), os judeus da época de Jesus, especialmente os líderes da nação que conheciam bem o Antigo Testamento, se lembrariam do rei Acabe, cuja esposa mandou matar o dono de uma vinha para dar a mesma ao seu marido (1 Reis 21). Eles se lembrariam também de que videira era é metáfora para a esposa (Sl 128.3 e Cantares). Ainda mais importante, eles se lembrariam de que o próprio povo de Deus (Israel) foi algumas vezes chamado de vinha (ou videira) na Bíblia. O Salmo 80 conta a história de Israel a partir dessa metáfora de uma vinha que foi trazida do Egito e plantada e que agora estava sofrendo e precisava ser restaurada (Salmo 80.8-19). Isaías 5 desenvolve a mesma imagem, enfatizando o quando a vinha do Senhor se perdeu do seu dono. Diversos outros textos em Isaías e Jeremias usam a figura da videira/vinha da mesma forma. Em suma, o vinhedo era um símbolo conhecido para falar sobre o povo de Deus.
Note que o Senhor do vinhedo plantou o mesmo e apenas o alugou (arrendou) para alguns agricultores. Essa era uma situação muito comum da época. Uma pessoa com dinheiro comprava um pedaço grande de terra, colocava-o para produzir e contratava agricultores que alugariam aquela terra produtiva e de tempos em tempos enviariam dinheiro e parte da produção. Esse Senhor ficaria distante por muito tempo, mas marcou um tempo determinado para voltar. Estava tudo combinado.
A parábola mostra uma progressão rápida dos fatos. O Senhor do vinhedo enviou três escravos. Os agricultores trataram os escravos de forma cada vez mais desonrosa e violenta: o primeiro apanhou, o segundo apanhou e foi duramente desonrado e o terceiro foi espancado de forma a ficar com sequelas físicas permanentes.
Então vem o principal absurdo da parábola: o Senhor do vinhedo decide enviar o seu próprio filho, pois, talvez o mesmo seja respeitado! Você certamente não faria isso. Eu certamente não o faria, mas Deus fez isso. Ele enviou o seu Filho para pessoas que já tinham dado provas claras de que não mereciam. Ele enviou o seu próprio Filho para morrer. O filho da parábola foi expulso e assassinado, assim como aconteceria com Jesus, que morreria fora da cidade.
Como resultado, Jesus disse que o próprio Senhor e dono da vinha viria e destruiria os agricultores, dando a vinha para pessoas mais honradas do que eles. Esse texto prevê claramente que o status de povo de Deus seria tirado das mãos dos judeus e seria dado a outras pessoas. Aqueles que ouviam Jesus entenderem exatamente o que ele estava dizendo e por isso responderam com uma das negativas mais enfáticas da língua grega: Μὴ γένοιτο (de jeito nenhum!)
Como resposta, Jesus explica que até mesmo isto estava previsto nos escritos do Antigo Testamento. Jesus cita o Salmo 118.22: “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular”. Esse texto é citado em vários lugares no Novo Testamento (Mt 21:42; Mc 12:10–11; Lc 20:17; At 4:11; 1 Pe 2:7) e mostra que tanto Jesus quanto a igreja (depois da ressurreição) entendiam perfeitamente que o Messias seria rejeitado e morto, antes de assumir sua posição como Rei e Senhor. A maneira que Jesus desenvolve a imagem da pedra também aponta para o sonho de Nabucodonosor (Daniel 2) que viu os reinos do mundo (uma estátua feita de materiais diferentes) seriam destruídos e conquistados pela pedra cortada sem o auxílio de mãos humanas. Jesus é a pedra fundamental da construção do reino de Deus, aqueles que não o aceitarem como tal, serão massacrados por ele mesmo. Qual foi a resposta dos maiorais da nação? Eles ficaram furiosos e tentaram prender o Salvador.
Nós, a igreja, somos o vinhedo do Senhor. Nós gentios do mundo inteiro e judeus convertidos temos o privilégio de ser o povo cuidado pelo Senhor. Ao mesmo tempo, somos agricultores chamados para cuidar do vinhedo todo. Somo uvas e somos agricultores. O Senhor enviará novamente o seu Filho para acertar as contas conosco. Alguns serão amassados como uva por uma pedra. Outros ouvirão “Muito bem, servo bom; porque foste fiel no pouco, terás autoridade sobre dez cidades” (Lucas 19.17).
Caro Prof. João Paulo. Excelente devocional. Falou muito a mim.